Toda quinta à noite, o quarto andar do edifício Murad, no centro de Vitória, fica escuro e cheio de jovens. Um ringue é montado e o duelo é travado com microfones. Os dois gladiadores são postos de frente, e um apresentador grita para a plateia:
“Esse é o rap de quinta, pesadão no bang, a batalha tem que ter…”
E a resposta estrondosa dos espectadores:
“SAN-GUE, SAN-GUE!”
O DJ solta a batida: começa o duelo de rimas.

Essa cena acontece no RapDeQuinta, um projeto independente de verbas governamentais, que tem como objetivo fortalecer a cena cultural do hip hop capixaba. Nele, vários jovens se expressam por meio do rap, grafite e poesias, usando todo o quarto andar do edifício Murad, no centro de Vitória. Nas noites de quinta-feira, os duelos acontecem num pequeno palco de madeira, que também é livre para recitações poéticas e apresentações de grupos de rap.
Quem organiza o evento é o tatuador Marcelo Campos, que disponibilizou o lugar, recursos e equipamentos para ajudar a juventude da periferia. No passado, ele expressava sua raiva cometendo crimes e “fazendo um monte de besteiras desnecessárias”. Hoje, ele quer evitar que isso aconteça com as novas gerações.
Vi que através da música, do hip hop, comecei a me orientar. Esse mesmo rap que me tirou da cena ruim, estou usando para orientar outras pessoas também. A gente faz os eventos para poder fortalecer, articular, fomentar, formar mais orientadores e capacitadores”, explica Marcelo.
Marcelo conta o caso de um DJ, de 16 anos, que aprendeu o ofício dentro do Projeto, há três meses. Segundo o organizador, o rapaz era analfabeto e estava depressivo. Começou a frequentar o RapDeQuinta, sem se manifestar muito, demonstrando interesse na mixagem. O tatuador disponibilizou os equipamentos do projeto para o garoto aprender, e em uma semana já estava apresentado resultado. Hoje, o DJ promove bailes, conhece diversas pessoas e está mais animado com a vida.
GRAFITE

As paredes da ‘toca’, nome dado ao andar onde acontece o evento, são cobertas de arte feitas com spray. Vários desses grafites foram feitos pelo Gabriel ‘Monstro’, jovem evangélico que encontrou no grafite seu ponto de fuga para expressar sua revolta contra o sistema e a sociedade. Quando questionado sobre a influência que o grafite tem na vida das pessoas da cidade, ele explica com um exemplo.
Se uma pessoa ver uma flor desenhada numa parede toda preta, ela pode se questionar: qual o objetivo disso? O objetivo é mostrar para sociedade que ainda há oportunidade no mundo, ainda há felicidade, ainda há novas chances para viver e recomeçar. Tem vários tipos de grafite que levam sua cabeça num mundo onde você jamais chegou a conhecer”, explica o grafiteiro.
POESIA
Ao ouvir um rap pela primeira vez, do grupo Racionais, MC Thanto teve uma epifania em relação a manipulação midiática. Ele conta que através do rap, desenvolveu um senso crítico mais apurado sobre a realidade. “Todo mundo está prestando atenção na TV, e o que ela passa nem sempre é verdadeiro. Muitas vezes a pessoa está acreditando, mas quem está na rua sobrevivendo a realidade mesmo acaba vendo outros fatos”, conta o MC. A partir daí começou a produzir rap com outros quatro amigos de Viana. Hoje, já possuí algumas músicas gravadas em estúdio, e vai sempre até a toca para duelar, recitar poesias e prestigiar os outros MC’s.
Essas são apenas algumas histórias transformadas pelo rap. Se tiver interesse em conhecer essas pessoas, os duelos ou a potência transformadora do hip hop, faça uma visita. O RapDeQuinta começa toda quinta-feira, às 19h00, no edifício Murad, no centro de Vitória.