Por conta da dia Internacional da Mulher e o Brasil continuar com altos índices de violência doméstica, a Rede Gazeta convidou pessoas que estão diretamente ligadas a essa realidade para falar sobre o tema. Todas as palestrantes eram mulheres: uma juíza, uma delegada, uma promotora do Ministério Público, duas professoras da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), uma psicóloga da Polícia Civil, o projeto Fordan, que tem como foco o enfrentamento às violências, seja ela doméstica, de gênero, e outros, e o Grupo Raabe, que é um projeto para auxiliar a mulher que sofre ou sofreu algum tipo de violência.
A palestra foi dividida em dois tempos e começou com vídeos de mulheres que já sofreram violência doméstica. Houve vários relatos do que acontece dentro do âmbito familiar, desde a influência da família para o homem agredir a esposa – com palavras, ou porque ela não aceitou uma ordem do marido – até tentativas de suicídio. A maior parte dos presentes eram mulheres, de idades diversificadas.

A primeira palestrante foi a Dra. Hermínia Azoury, juíza de Direito, responsável pelo Ônibus Rosa – projeto que foi idealizado pela presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministra Cármen Lúcia – e é realizado em diversos estados do país pelo menos três vezes ao ano. Serve de auxílio para mulheres que procuram amparo jurídico na Lei 11340/06, mais conhecida como Lei Maria da Penha. A dra. Hermínia trouxe para o debate que a cada 5 minutos, 2 mulheres são espancadas no Brasil. Ela já atendeu várias mulheres, e percebeu que agressão não tem idade e nem classe social.
Logo em seguida tivemos a fala da Dra. Arminda Rodrigues, delegada que trabalhou durante 6 anos na Delegacia da Mulher, e disse que já ouviu de tudo. Apesar de, enquanto trabalhar na Delegacia da Mulher não registrar homicídios contra mulheres que foram depor em sua delegacia, ela já viu casos que a mãe vai cobrar pensão alimentícia do filho e acaba sendo assassinada, muitas vezes junto com seu filho. Disse, também, que algumas mulheres foram registrar o Boletim de Ocorrência com o marido do lado, depois de terminar o boletim, elas mesmas pagavam a fiança do marido.
A Dra. Cláudia Garcia foi a última do primeiro tempo, promotora do Ministério Público do Espírito Santo, faz parte da equipe do NEVID (Núcleo de Enfrentamento da Violência Doméstica contra a Mulher) que é um trabalho de prevenção mediante elaboração e execução de projetos de Políticas Públicas para as Mulheres, além de dar assessoramento aos Promotores de Justiça que lidam com a temática no seu cotidiano. Ela trouxe um número alarmante para o Espírito Santo, das 100 cidades mais perigosas para uma mulher viver, 11 estão no estado. Ela deu ênfase na violência psicológica, que é tão perigosa quanto a física e sexual, mas que poucas pessoas percebem e denunciam.
O espaço para perguntas foi aberto e perguntaram sobre o botão do pânico para a Dra. Arminda, que esclareceu que é exclusivo para a cidade de Vitória e que nem todas as mulheres são contempladas com essa ferramenta, apenas aquelas que sob perigo de morte pelo ex companheiro.
Foi reforçada a denuncia anônima pela Dra. Cláudia, por ser uma importante ferramenta para combater a violência doméstica. Ela ressaltou os dados importantes que devem ser falados para o atendente do Disque Denúncia (181), reforçar a localidade, dando detalhamentos da rua, pontos de referência, e, principalmente, não se calar. Se você tem uma vizinha que passa por isso, ofereça ajuda, nem que seja o mínimo, sentar e conversar com a pessoa, e denunciar. Além de dar destaque para a educação preventiva, caso não funcione, a prisão tem que ocorrer.
Foi perguntado sobre o amparo financeiro ofertado pelo governo, e ambas as palestrantes esclareceram que esse auxílio não existe.
Segundo bloco da palestra
O segundo bloco começou com a Neucilene Ferreira, coordenadora estadual do Projeto Raabe, criado para auxiliar a mulher que sofre violência. Consiste em um grupo multidisciplinar, tendo advogadas, psicólogas, assistentes sociais, para ouvir, acolher e auxiliar essas mulheres.
Após isso, a psicóloga da Polícia Civil, Marcella Demoner, falou do projeto “Homem que é homem…”, voltado para o público masculino, selecionados pelas DPAM’s (Distritos Policiais de Atendimento à Mulher). A participação é voluntária e educativa. Parte da Polícia Civil, mas não é coercitivo, e sim preventivo. A maior parte desses homens não volta a agredir as companheiras.
A terceira palestra ficou por conta da professora universitária, Rosely Pires, participante do projeto FORDAN, do qual combate as violências, seja ela doméstica ou até mesmo de gênero . Basicamente eles trabalham com jovens, ensinando a arte da dança e ouvindo essas pessoas.
A última pessoa a falar foi a professora de artes e coreógrafa do projeto FORDAN, Rosemery Casoli, formada pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) em artes plásticas, passou 21 anos sofrendo violência doméstica por parte de seu ex marido. Sua primeira denúncia foi em 2004, mas não foi a frente. Em 2006, ela conheceu a Lei Maria da Penha. Rosemery conta que chegou a tentar o suicídio ingerindo comprimidos de remédios, o marido a viu quase morta e a abandonou. Quando ela se recuperou, buscou informações e exigiu o divórcio. Nesse tempo em que ela sofreu violência e resolveu buscar a separação, a artista plástica usou a arte para se expressar. Foram 8 obras que compuseram o seu Trabalho de Conclusão de Curso (TCC), começando com quadros bem escuros e marcantes e terminando com um quadro de um indivíduo e muita cor, mostrando o renascimento.

Quando o debate estava acabando, uma senhora que assistia a palestra relatou que sofreu violência doméstica na terça-feira, dia 22 de agosto, foi na delegacia da Serra e elogiou a atuação da polícia, mas criticou a articulação dos poderes – da polícia para o judiciário, do judiciário para o executivo – e questionou a educação nas escolas brasileiras quanto à violência.
Cenário capixaba e nacional de violência doméstica
O cenário capixaba tem melhorado, de acordo com as pesquisas da Secretaria de Estado da Segurança Pública e Defesa Social (SESP), em 2009 uma média de 16 homicídios de mulheres acontecia por mês no estado. Em 2016 os índices foram menores, identificou-se uma redução de 37% no primeiro semestre comparado ao mesmo período do ano de 2015.
Fonte: SESP
Uma pesquisa feita pelo Datafolha e divulgada pelo G1 de São Paulo, no dia 8 de março de 2017 mostra que uma a cada três mulheres brasileiras sofreram algum tipo de violência no último ano. O gráfico abaixo mostra o percentual de mulheres que sofreram algum tipo de violência doméstica.
Fonte: Datafolha, 2016.
Os dados foram divulgados no Dia Internacional da Mulher, mas não temos nada para comemorar, visto que os números são alarmantes. De um total de 12 milhões de mulheres, 22%, sofreram ameaças verbais de seus companheiros. A ameaça física, 10%, o abuso sexual, 8%, ameaça com armas, 4%, espancamento ou tentativa de estrangulamento, 3%, e as que levaram pelo menos um tiro, 1%.
Dentre as mulheres que sofreram violência doméstica:
Fonte: Datafolha, 2016.
Fonte: Datafolha, 2016.
Além disso, 20,4 milhões de mulheres acima dos 16 anos disseram ter sofrido algum tipo de assédio, o que totaliza 40% das entrevistadas, 5,2 milhões já sofreram assédios físicos em algum transporte público e 2,2 milhões já foram agarradas ou beijadas sem consentimento.
Esse número assusta ainda mais quando foi levantado que, dos 68% das jovens entrevistadas que sofreram assédios, 42% eram mulheres negras. E que 17% das mulheres que sofreram assédio dentro do transporte público, 12% eram negras.