Estreia essa semana em Vitória, o documentário Torquato Neto – Todas as Horas do Fim, de Eduardo Ade e Marcus Fernando, é uma tentativa de resgatar a memória e a arte de um nome pouco conhecido e muitas vezes esquecido no cenário artístico brasileiro.
Poeta, escritor, jornalista, letrista e herói marginal Torquato Neto é uma das figuras mais instigantes do Tropicalismo, movimento artístico de contracultura que viveu seu auge nos anos 1960 e foi protagonizado por nomes como Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tom Zé e Os Mutantes. Torquato Neto também teve seu nome ligado ao Cinema Marginal e ao Concretismo, tendo participado avidamente, tanto com a sua obra quanto com a sua presença polêmica e enigmática.

A sua contribuição para o cinema, a literatura e a música brasileira é enorme e incalculável. O artista, que nasceu no Piauí e emergiu na cena artística soteropolitana, escreveu letras que nas mãos de Gilberto Gil e Jards Macalé foram transformadas em ícones tropicalistas. No cinema, acompanhou o surgimento do cinema marginal e participou do filme Nosferatu no Brasil, de Ivan Cardoso. Participou da efervescência cultural que ocorria no Brasil no início dos anos 1960 o lado de Décio Pignatari, Augusto e Haroldo dos Campos, nomes importantes da poesia concreta, e de seu grande amigo Hélio Oiticica, artista plástico e expoente da contracultura no Brasil.

O documentário reconstrói a obra de Torquato Neto através dos poucos registros deixados pelo artista e de recursos de linguagem usado pelos diretores para preencher os vazios na história do escritor. Através de depoimentos de amigos, de leitura de suas cartas e poemas pelo ator Jesuíta Barbosa e de trechos de Nosferatu no Brasil, um dos poucos registros visuais, Eduardo Ade e Marcus Fernando constroem a narrativa do filme, conduzindo o espectador para uma imersão na vida e obra do artista. Um outro recurso usado pela dupla é o uso de fragmentos de filmes do cinema novo e do marginal e de músicas tropicalistas, que nos conectam ao universo habitado por Torquato Neto.
De uma beleza singular, a produção é uma ode a um artista que tem a sua obra imortalizada, mas a sua memória esquecida. Em vários momentos, o filme nos expõe a músicas compostas pelo letrista, mas que muito de nós não sabíamos que era de sua autoria. A poética presente no filme é um reflexo da vida e da arte do próprio Torquato Neto, uma estética fúnebre e melancólica acompanhada de uma montagem que oscila entre o concretismo e a cultura marginal, tal como viveu o poeta.

Torquato Neto partiu cedo e de maneira trágica. No início dos 1970, após um curto período de autoexílio com a mulher em Londres, o poeta começou um processo de isolamento e de afastamento social. O sentimento de alienação e impotência causado pelo Regime Militar contribui para que um Torquato já melancólico e distante afundasse cada vez mais em sua própria tristeza e solidão.
Um dia após o seu 28º aniversário, trancou-se no banheiro e abriu a torneira de gás, despedindo-se assim de toda a angústia de sua vida de artista incompreendido e de todo o conformismo e estagnação que consumiam a juventude brasileira, cumprindo, então, sua meta de partir cedo.

A obra deixada por Torquato Neto é uma extensão de sua própria vida. Atemporal e multifacetada, sua arte é de uma profundidade impossível de ser medida e compreendida através de interpretações genéricas e pré-estabelecidas. Em “Todas as Horas do Fim”, podemos contemplar não apenas seu trabalho artístico como também entrar em contato com a sua memória, que foi enterrada pelo moralismo e conservadorismo de um país que vive uma falsa ilusão de liberdade.
Torquarto Neto – Todas as Horas do Filme é um belíssimo filme, mas vai além disso. É uma obra que precisa ser vista em tempos sombrios como os que estamos vivendo. A construção heroica que o documentário cria do poeta é fundamental para entender o porquê dele ter sido esquecido e a necessidade em resgatarmos a sua memória.
Confira o trailer do documentário:
Em Vitória, o documentário, que é distribuído pela Vitrine Filmes, estreia nesta quinta-feira, dia 29/03, no Cine Metrópolis. Não perca!
Programação 29/03 – 04/04
Quinta-feira (29), às 17h;
Sexta (30), Sábado (31) e Domingo (1°), às 18h50;
Segunda (02) e Terça (03), às 20h15;
Quarta (04), às 16h15.
Ingressos: R$ 10 (inteira) e R$ 5 (meia).