O sistema carcerário brasileiro, em especial o do Espírito Santo, que já foi alvo de denúncias internacionais pela Organização das Nações Unidas (ONU), carece de atenção e de investimentos. Até aí, nenhuma novidade. Por outro viés, é possível trazer “a vida” de volta para alguns internos e é por aí que entra o projeto Virando a Página.
Por meio de uma parceria da FAESA com a Defensoria Pública do Estado do Espírito Santo são levadas obras literárias para homens internos do semi-aberto (que podem sair para estudar ou trabalhar) do Xuri, em Vila Velha. “Eles leem livros e têm direito à remição de pena. Elaboramos as aulas baseadas em 12 obras que nós escolhemos para eles lerem. Eles poderão ter 4 dias de remição para cada obra lida, resultando em 48 dias no máximo”, explica o professor Antônio Alves de Almeida, do curso de Pedagogia desta instituição.
Além da leitura, conta bastante o aproveitamento de cada obra, sendo que cada preso deverá realizar um trabalho final, o qual poderá consistir em resumo ou em resenha, a depender do nível de instrução e escolaridade de cada leitor. “As pessoas que cursaram o ensino fundamental fazem um resumo. As que cursaram ensino médio (mesmo que incompleto) fazem uma resenha descritiva. Eles devem ser capazes de obter 60% de aproveitamento (nota 6 no mínimo, para cada obra lida)”, completa o professor e coordenador do projeto.
A ideia é ir além de uma simples leitura: “a ideia é de atingir o sujeito na sua complexidade. Muitos não liam há 15 anos e retomar essa atividade requer perseverança para, letra após letra, ir reconstruindo a forma de se ver como cidadãos. No total, são 40 pessoas que vêm sendo atendidas há 8 meses pelo projeto”, comenta Antônio.
Eles têm um mês para ler as obras. Nós vamos lá, ministramos sobre as obras para eles, contextualizamos a obra, fazemos um glossário dela e entregamos impresso junto com a obra a ser lida. Também fazemos exercícios com eles, corrigimos e ao final eles fazem trabalho (um texto de 25 a 30 linhas) em 3 horas, individual e sem consulta. Nós supervisionamos este trabalho final e corrigimos. Sendo aprovados, recebem um certificado emitido pela Defensoria, que dará direito a 4 dias de remição de pena”, acrescenta o docente.

Eles já leram clássicos como O Pequeno Príncipe, O Menino do Pijama Listrado, O Caçador de Pipas e lerão o Fio das Missangas. Também constam da lista as obras O Menino do Dedo Verde, Capitães de Areia e Meu pé de laranja lima, títulos que aguardam doações de exemplares novos ou usados.
Sobre o projeto em si, ele não foi estruturado para uma disciplina específica, mas foi pensado para o curso de Pedagogia. “Envolve didática, currículo, preparar aulas, produzir atividades, avaliação, correção, etc. É transversal ao curso de pedagogia e quem atua são quatro monitoras do curso e eu como coordenador”, conclui Antônio de Almeida.
Doações
O projeto conta, para ter seguimento, com doações dos livros Capitães de Areia, Meu pé de laranja lima e O menino do dedo verde, em edições novas ou usadas. Os interessados deverão se dirigir à secretaria do curso de Pedagogia da FAESA. Doe!
Curiosidade
Por que “remição” e não “remissão”? Enquanto o segundo uso é mais frequente e comum, gerando uma certa estranheza para o uso com o cedilha, ele sugere o perdão e está relacionado ao verbo “remitir”. Já “remição” vem do verbo remir e está ligado à quitação e à liberação de uma pena imposta, podendo ser configurado como um termo técnico do meio jurídico.