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Revolução nas telas
O década de 1960 foi um período de intensas mudanças, seja no campo social, político e cultural. Para o cinema, foi uma época revolucionária, onde antigos padrões foram quebrados e desconstruídos abrindo espaço para um cinema mais livre e autêntico. Em diversas partes do mundo, o momento era de contestação dos valores até então vigentes. E o cinema refletiu esse momento de transformações e de novas ideias que estavam surgindo.
As novas formas de enxergar a realidade refletiram em uma nova forma de ver e de fazer cinema. Os diretores queriam produzir filmes que refletissem suas visões sobre o tempo em que estavam vivendo. O cinema experimentava um momento mais autoral, onde os diretores podiam exercer sua liberdade criativa e artistica.
O novo cinema francês
Nesse contexto, uma série de vanguardas cinematográficas começaram a aparecer pelo mundo. Foi na França que teve inícioo primeiro e mais influente movimento vanguardista de cinema daquele período, a Nouvelle Vague (já falamos um pouco dela aqui). Os filmes da “nova onda francesa” contestavam o padrão industrial das grandes produções hollywoodianas, cujo o objetivo era apenas entreter o público. Indo contra toda as regras do cinema clássico, os franceses subverteram de várias formas o modo convencional de fazer cinema e criaram um movimento totalmente novo e autoral.
Apesar de estarem inseridos no mesmo contexto e apresentarem objetivos semelhantes, o filmes da Nouvelle Vague nunca eram iguais. Cada diretor tinha sua própria linguagem e forma de expressão. Muito além de realizadores, eles eram autores de suas obras, podendo fazer com elas o que bem entender, sem a preocupação de estarem ou não agradando um estúdio. No Cinema de Autor, a figura do diretor é valorizada acima de qualquer outro elemento presente na produção. Ele é o foco e a força criativa de todo o filme.

Mas não era apenas o cinema que a Nouvelle Vague buscava contestar. Os pudores e os valores burgueses também eram alvo de análise diretores como Jean-Luc Godard e François Truffaut. Ideais de amor livre e de revolução, que eram cada vez mais comuns no cotidiano da juventude francesa também eram assuntos recorrentes nas produções.
O cinema político de Godard
A partir de 1966, Godard decidiu dar um passo ainda maior. Além da revolução estética que ele já havia provocado no cinema o diretor iniciou uma onda de filmes políticos, com fortes críticas sociais e reflexões a cerca da sociedade francesa. O melhor exemplo dessa sua nova fase é provavelmente A Chinesa. Lançado em agosto de 1967, o filme antecedeu os acontecimentos do Maio de 1968, quando estudantes tomaram as ruas de Paris em busca de melhorias na qualidade de ensino.

Em poucas palavras, o filme apresenta um grupo de cinco jovens universitários que vivem juntos em uma tipica república estudantil. Durante o período de férias, eles passam os dias estudando política e conversando sobre maoismo na tentativa de aplicar a ideologia chinesa na sociedade francesa. “A França de 1967 é uma grande louça suja”, diz um dos estudantes. Cansados de ficar apenas na teoria eles passam a debater sobre a possibilidade uma revolução real e decidem investir em medidas mais extremas e violentas contra o que consideravam injusto no mundo capitalista.
Na época de sua estreia, A Chinesa foi considerado um filme utópico e irrealista, mas, pouco tempo depois, os eventos mostrados na película já não pareciam tão distantes e improváveis. Alguns meses após o seu lançamento, a França protagonizava um dos eventos mais revolucionários de sua história.

As paredes do apartamento habitado pelos personagens de A Chinesa eram preenchidas por frases de ordem como “Uma minoria na correta linha revolucionária não é mais uma minoria” e “É preciso confrontar idéias vagas com imagens claras“. Em seu filme mais político, Godard deixou bem claro o almejava: a revolução, não apenas no cinema, mas como em toda a sociedade. E ela aconteceu. Não da forma radical proposta pelos sonhadores jovens de A Chinesa, que representavam a força do movimento estudantil e a classe artística francesa, mas com ecos provindos de suas ideias. A Chinesa talvez seja um exemplo do poder revolucionário da arte e de como ela pode mudar o rumo da sociedade.
Cultura Pop e Revolução

Apesar do conteúdo político e contestador, era notável também um forte apelo pop nesta nova era de Godard, que também marcou suas produções anteriores. Não era a toa. A inúmeras referências aos ícones do consumo e da cultura popular presentes nas obras funcionavam tanto como uma sátira ao crescente americanismo dos anos 60 quanto como elemento estético. Toda a década de 1960 era um produto do consumismo e do estilo de vida norte-americano. E mesmo os jovens franceses, que tanto sonhavam com a revolução e com o fim do capitalismo, faziam parte dessa sociedade industrial a que tanto criticavam.
Cannes em chamas
O Maio de 68 estendeu-se além das ruas de Paris. Durante o 21º edição do Festival de Cannes, um grupo de diretores, liderados por Godard e Truffaut, iniciaram um protesto pedindo a interrupção do festival já que o país inteiro estava vivendo um período de manifestações por mudanças políticas e sociais. “O metrô e os ônibus serão os próximos. Por isso, é ridículo que a mostra continue”, manifestou Truffaut.
Em seguida, outros diretores e artistas que integravam o juri do festival ou que estavam participando da competição aderiram ao protesto. O resultado? O Festival de Cannes daquele acabou por ordem de seus responsáveis e Truffaut foi punido, a quem a organização declara persona non grata.

Apesar do amor pela sétima arte havia algo ainda mais importante naquele momento: a revolução. Paris estava em chamas e a França inteira estava lutando por mudanças sociais. E para aqueles cineastas, que sempre estiveram preocupados com a política e a sociedade do país, não foi diferente. “Nós falamos de solidariedade com estudantes e trabalhadores, e vocês de primeiros planos e filmagens. Vocês são uns imbecis“, disse Godard na ocasião.
O ressurgimento de Hollywood
Durante a década de 1960, a maior indústria cinematográfica do mundo entrava em declínio. Os produções europeias, principalmente as francesas e as italianas, estavam dominando os cinemas e o público estava preferindo os filmes europeus aos norte-americanos
Os movimentos de contracultura cresciam e conquistavam cada vez mais adeptos. Cansados do patriotismo e do nacionalismo dos EUA a juventude norte-americana buscava algo diferente e desafiador, que confrontasse os valores de seu país e refletisse o tempo que estavam vivendo. O cinema precisava abandonar as velhas fórmulas e se renovar.
Novos diretores, novas visões
Diante da possibilidade de falência, a indústria passou a investir em diretores mais ousados e criativos, incluindo representantes de outras países, no cinema independente. A ideia era criar um novo movimente, nos moldes cinema de autor, tal como estava acontecendo na Europa. Temas como a contracultura, os movimentos sociais, as drogas, o amor livre, o rock e, é claro, a revolução foram explorados pela American New Wave, ou Nova Hollywood.
Bonnie e Clyde, de Arthur Peen, é muitas vezes apontado como o marco inicial da Nova Hollywood. O filme, lançado em 1967, acompanha um casal assaltante de bancos. A inversão de valores, assim como cenas de violência e de sexo quebraram uma série de tabus cinematográficos da época, dando espaço para muitos outros diretores explorarem temáticas mais polêmicas e ousadas.

Na estrada
Em 1969, Dennis Hopper lançou Easy Rider, um road movie sobre uma dupla de motoqueiros que viajam pelos EUA com o objetivo de alcançar a liberdade pessoal. Com o dinheiro conseguindo através da venda de drogas, os protagonistas Wyatt e Billy, vividos por Peter Fonda e pelo também diretor Dennis Hopper, saem da Califórnia rumo à festa de Mardi Gras, o carnaval de New Orleans, do outro lado do país.
Enquanto atravessam o país, Wyatt e Billy filmes encontram diversos tipos de pessoas e se deparam com uma America totalmente às avessas, vivendo o ápice do movimento hippie, ao mesmo tempo que ainda hostil e conservadora. Easy Rider mostrou ao mundo através do cinema uma nova forma de ver os EUA

Sexo, drogas, tudo isso é mostrado sem nenhum pudor para o público que, num geral, ainda não estava acostumado com um cinema desse tipo. Mesmo assim, foi um grande sucesso de crítica e de público, principalmente entre os jovens que enxergavam Wyatt e Billy como heróis da contracultura.
Nesse mesmo contexto, temos Zabriskie Point, do diretor italiano Michelangelo Antonioni. Gravado no ano de 1968 e lançado em 1970, o longa é um retrato fiel de uma juventude incendiaria e “que estava disposta a morrer, mas não de tédio”. A frase, extraída do próprio filme, define muito bem o proposito revolucionário ocorrido na transição das décadas: o de agir e de deixar sua marca no mundo – o que também podia ser visto nos filmes.
A trama é marcada pelo encontro de dois jovens, ambos representados facetas diferentes da revolução. Ela, Daria, uma idealista que mesmo insatisfeita com a sociedade de consumo e o capitalismo, viaja para encontrar o seu chefe, um grande empresário que pretende construir um condomínio de luxo. Ele, Mark, um estudante radical que está cansado da estagnação dos movimentos estudantis e acredita que é preciso de ação. Os dois jovens se encontram no deserto após uma fuga de Mark, que atirou num policial durante conflitos na universidade em que estudava.

Fora das telas, muitos jovens experimentavam de fato o abandono do sonho norte-americanos e dos ideais burgueses de seu país. Longe da casa de seus pais e de seus empregos formais, eles caíram na estrada numa viagem em busca de novas visões a cerca do mundo e da sociedade.
A era dos grandes diretores
O movimento continuou forte na década de 1970, sendo representado por grandes mestres do cinema como Francis Ford Coppola, Brian de Palma, Martin Scorsese e Steven Spielberg. Foi nesse contexto que foram produzidos alguns dos filmes mais conhecidos e importantes de todos os tempos, como a trilogia O Poderoso Chefão, de Coppola, de 1972.

Terror nas telas
A Nova Hollywood trouxe ainda um grande “boom” de filmes de terror às telas de cinema. Em 1968, Roman Polanski lançou um de seus maiores clássicos, o Bebê de Rosemary. O filme faz parte da trilogia do apartamento, iniciada em 1966 com Repulsion e finalizada em 1975 com O Inquilino.

O apavorante longa de Polanski abriu espaço para um infinidade de filmes de terror na década de seguinte, como O Exorcista, o Massacre da Serra Elétrica, Halloween e Carrie. Muitos diretores da Nova Hollywood ganharam destaque dentro do gênero como Brian de Palma, que realizou “Carrie, a Estranha”.
Também no ano de 1968, chega às telas A Noite dos Mortos Vivos, de George A. Romero, inaugurando um sub-gênero de terror, o de zumbis. Mas muito além de um filme trash e assustador sobre cadáveres ambulantes a produção pode ser compreendida como uma grande metáfora política para falar dos conflitos sociais, geracionais e raciais que aconteciam nos EUA, além também de uma critica a Guerra do Vietnã.

Uma odisseia no espaço
Em 1968 estreava nos cinemas uma obra-prima: 2001 – Uma Odisseia no Espaço. Dirigida pelo já consagrado Stanley Kubrick, que já tinha realizado grandes filmes como Lolita e Barry Lindon, o épico espacial gerou muita controvérsia e polêmica na época de seu lançamento. Enquanto parte do público e da crítica o recebeu com incompreensão e desdém outra parte ficou admirada e espantada com o conteúdo inovador do filme.
O longa aborda temas como a evolução humana, tecnologia e viagem ao espaço. Com efeitos especiais até então nunca visto o filme inaugurou um novo parâmetro técnico para ficções cientificas. Ainda hoje, é possível ver referências ao grande clássico de Kubrick em obras de ficção.

Mulher e Sexualidade
A influência da corrida espacial e dos avanços da tecnologia foi favorável também para o surgimento de outros filmes como Barbarella, lançado em 1968. A ficção cientifica estrelada por Jane Fonda transformou a atriz em um dos maiores sex-symbols da época.

Barbarella é também um exemplo de libertação feminina nas telas. A personagem não está ali apenas para sustentar as fantasias sexuais masculinas, mas para representar uma mulher forte e decidida e segura de sua sexualidade. Lembrando aqui que a década de 1960 foi marcada pela revolução sexual e pela ascensão de movimentos feministas.
Cinema e Rock ‘n Roll
Não tem como falar de 1968 sem falar de música, principalmente de rock. Muito dos filmes realizados nesse período eram embalados pelos rifes e solos de guitarra das bandas de rock progressivo e psicodélico. A música que você ouviu no início da matéria é uma delas. “Come in Number 51, Your times is up” do Pink Floyd é uma versão alternativa de “Careful with the Axe, Eugene”, também do grupo britânico, e foi reeditada especialmente para o longa de Antonioni.
Além de estarem presentes nas trilhas sonoras, muitas bandas e músicos de rock tiveram suas turnês documentadas e transformadas em filmes. Um deles é Don’t Look Back, documentário que acompanha a turbulenta passagem de Bob Dylan na Inglaterra. Lançando em 1967 e filmado dois anos antes, o documentário mostra o momento de transição na carreira do músico americano, quando ele passou do folk para o rock.
O vídeo da música Subterrean Homesick Blues foi gravado durante esse período para ser usado como trailer e como sequência de abertura do filme, sendo considerado como um dos precussores do vídeoclipe, conceito e linguagem que ainda não existia e nem era usada na época. Don’t Look Back vai ainda vai além de uma filmagem de uma turnê: assim com as próprias músicas e letras de Dylan é um retrato de todo o espírito dos anos 60.
Outro exemplo é Sympathy for the Devil, documentário que acompanha sessões e gravações de estúdio do The Rolling Stones da canção de mesmo nome. Dirigido por ninguém mais niguém menos que Godard, o filme é tanto um documento de um dos conjuntos musicais mais emblemáticos da década de 1960 quanto também um panorama e uma visão geral de todo esse período.
Sem abandonar o seu lado político, o diretor francês conseguiu manifestar em Sympathy for the Devil todas as questões sociais e ideológicas que estavam em vigor ao mesmo tempo que expôs todo o exaustivo processo de criação de uma das músicas mais famosas do grupo britânico e mais representativas daquela década.

Além da mudança estética nesta nova forma de fazer cinema, os diretores buscavam através de seus filmes mudanças sociais e experimentaram novas linguagens para retratar o que estava ocorrendo no mundo.
O cinema de 1968 pode ser entendido como uma busca por uma identidade coletiva, que fosse capaz de retratar e refletir a ceca de uma sociedade que estava passando por transformações constantes e radicais.
E no Brasil?
O Brasil, e outros países da América do Sul, não ficaram de fora desta revolução. Durante um intenso período de repressão e censura o cinema brasileira se reinventa e cria uma linguagem própria, que refletia toda a tensão política do país. Mas isso já é assunto para o próximo post. Fiquem ligados!