O racismo nos meios de comunicação – principalmente em jornais digitais – passou a ser discutido com mais frequência depois que militantes negros relembraram episódios em que brancos quiseram opinar sobre o movimento negro.
Apesar da população brasileira ser composta por 54% de negros, em 2016 um levantamento feito pela GEMAA (Grupo de Estudos Multidisciplinares de Ações Afirmativas) da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (Uerj) que constatou que a grande maioria dos jornais de grande circulação possuem pouquíssimos colunistas negros. O Globo é o jornal que mais possui negros como colunistas e eles são apenas 9% do total. A Folha tem 4% e o Estadão apenas 1%.
Tony Goes e “o colorismo”
Tony Goes é colunista da Folha Uol, e publicou no dia 04/06/2018uma matéria sobre a atriz Fabiana Cozza ter renunciado o papel de Dona Ivone Lara em uma peça de teatro retratando a vida da cantora sambista.
O colunista usou uma referência da escritora norte-americana Alice Walker, que citou o “colorismo”, dizendo que negros e pardos com pele mais clara costumam ter mais oportunidade e sofrer menos discriminação do que os que têm pele mais escura. Justificou a escolha da atriz para o papel dizendo que Fabiana não foi chamada por conta de seu tom de pele, e que os militantes negros enxergaram o colorismo onde não existe.
Tony Goes
Todos esses militantes não sabem o que é teatro. Acham que uma peça precisa reproduzir em detalhes a vida real, e que um ator só pode interpretar a si mesmo. São de uma ignorância espantosa. E também são burros, com o perdão da má palavra. Porque esse tipo de atitude, ao atacar quem já é aliado, prejudica a luta de todos. A causa é justa, mas o alvo é errado. O inimigo é outro, e está dando risada de nos ver tão divididos”, disse Goes.
Um branco falando sobre militância negra, dizendo que todos são burros por se manifestarem, não concordando com a escolha.
A aluna de Jornalismo da FAESA, Karolyne Paresqui, é estagiária de Comunicação do Núcleo Afro Odomodê. Lá, ela trabalha com toda parte de Assessoria de Imprensa. Entrevistamos a Karol para saber o posicionamento dela sobre as reportagens citadas nesta matéria.
KAROL PARESQUI – “Já começou errado. De fato, um povo que foi privado de direitos básicos como escola, saúde e cultura pode não entender o que é o teatro. Aquele espaço foi tirado dele, mas também o pertence. O colorismo também perpassa o racismo, o preto da pele branca também o sente e eu acho que, pelo seu comentário inconveniente você não entende do colorismo e muito menos da militância.”
Sheila Leirner e o “bacanal narcisista no Louvre”
Sheila Leirner é jornalista e crítica de arte. Vive e trabalha em Paris desde 1991, possui uma coluna no Estadão, na editoria de cultura. Sheila publicou no dia 23 de junho uma crítica sobre o novo clipe de Beyoncé e Jay-Z, onde dizia que o vídeo ficou cafona e o comparou com o clipe de Childish Gambino – This Is America, que segundo a jornalista, ilustraria melhor a sociedade americana.
Não satisfeita, a jornalista ainda diz que “[este] é o preço que a velha Europa deve pagar pela última e verdadeira expressão da América vulgar, ignorante e submissa, de Obama a Trump”, deixando claro sua posição eurocêntrica.
Sheila Leirner
O clipe, esta pequena vingança política afro-americana sobre a grande cultura, é da mesma arrogância sem par. O patriota Peruggia fez melhor quando roubou a Mona Lisa do museu em 1911″, declarou Sheila.
KAROL PARESQUI – “Vingança? Assim que chamam a luta do movimento preto por reivindicação e representatividade. Não tem muito o que falar. Se o branco faz, batemos palmas. Se nós, pretos, fazemos, é agressivo.”
Tenho certeza que, quando os Carters pensaram no clipe, eles quiseram essa reação: incredulidade e incômodo dos brancos, que tanto exploraram seu povo e agora têm que aceitar que os negros estão tendo cada vez mais poder na sociedade (até que enfim!).
O nome do clipe éApeshit, significa “merda de macaco”, ou “enlouquecido”, “fissurado”. Gravado no Louvre, um dos museus mais tradicionais do mundo, Beyoncé e Jay-Z posam de costas para obras consideradas de renome, como a Mona Lisa, de Leonardo da Vinci. O casal dá as costas para as obras justamente para mostrar o desprezo pelos que não os representa, já que todas as obras foram feitas por europeus brancos.
Mas, o que mais causou manifestação na internet foi a publicação de Ancelmo Gois, no dia 26/06, onde uma DJ teria sido supostamente agredida por tocar Ivone Lara…
Ancelmo Gois e a Dj que teria sido agredida
Lili Prohmann, DJ carioca, teria feito em seu facebook um relato sobre ter sido agredida durante um show por tocar Ivone Lara.
KAROL PARESQUI – “A discussão em voga aqui é a do racismo reverso. Um conceito utópico, que foi criado para justificar os brancos que são agredidos (verbalmente ou não) pela cor da sua pele. Vocês entendem isso? Porque eu, mulher preta e universitária, não consigo e não acredito. Eu concordo que o radicalismo não faz bem a nenhum movimento e não entendo a intenção da DJ ao tocar a música de Ivone Lara. Não é sobre tocar música de preto ou não, é sobre entender seu lugar de fala. A chateação que a DJ sentiu ao ser repreendida não se compara e não chega nem perto ao que passamos diariamente, agressões verbais o tempo todo; agressões físicas; censurados de irmos a determinados espaços e a autoestima abaixo do zero. Sabendo seu lugar de fala e tendo consciência de nossa história, pense se você pode se apossar de coisas que fazem parte da nossa cultura ou não. Racismo reverso não existe. Se você ficou ‘abalada’ com essa situação, imagine o que a gente sente diariamente.”
O jornalista Ancelmo Gois mantém uma coluna diária no jornal O Globo, e lá ele manifestou sua opinião sobre a suposta agressão. “Que horror, quanta intolerância”, escreveu Gois. Após isso, ele empurrou para o leitor que o acontecido foi racismo.
As críticas acerca desta notícia surgiram porque raramente há matérias falando sobre agressão a negros – que acontecem diariamente – só pela sua cor, além disso, parece que o Ancelmo não verificou corretamente suas fontes, porque nenhum presente confirmou a acusação da DJ.
O post original foi excluído, mas conseguimos localizar esse post, de uma página do Leblon – um dos bairros mais valorizados do Rio de Janeiro -, dizendo que a suposta agressora foi racista ao agredir a Lili.
Não é ironia uma página como essa, na qual a maioria dos seguidores são brancos e ricos, compartilhar a notícia sem questionar.
Muitos negros militantes resolveram criar uma # para ironizar a notícia.
Por que será que uma fake news igual a essa é publicada em um jornal grande e a notícia que Dandara Xavierfoi ofendida e agredida só por ser negra não teve nem uma nota no jornal?
O projeto é da Prefeitura de Vitória e surgiu em 2006. Desenvolve atividades socioeducativas para a juventude negra de Vitória, tendo oficinas que visam o empoderamento e podem até contribuir para a fonte de renda do jovem. O Odomodê oferece grupos de estudos, roda de conversa, debates, sarau, oficinas de bombom, penteado afro e turbantes e outros. Tudo é feito com base na desconstrução da questão étnico-racial.
Para participar, é necessário ser residente do município de Vitória e ter de 15 a 29 anos.