Brasil. País visto por muitos como hospitaleiro, festivo, animado e acolhedor. Essas denominações são geralmente verdades, mas quem aprofunda na cultura, na história e nos comportamentos sociais dos brasileiros, reconhece que esses adjetivos nem sempre são colocados em prática. É possível notar que as misturas e miscigenações eram e continuam sendo, em grande número, alvo de preconceito e discriminação por parte da sociedade.
Na sexta e última reportagem multimídia da série especial “Imigrantes no ES” o tema xenofobia é destaque e você descobrirá como a cultura capixaba age perante o convívio com pessoas de diferentes etnias, culturas e costumes. A história retratada é do professor angolano Billih. Um professor que encontrou soluções para enfrentar a cruel realidade do preconceito. Antes, confira também todas as outras matérias que compõe a série: “Um novo lugar para chamar de casa”, “O acolhimento capixaba”, Cultura capixaba é abraçada e valorizada por imigrantes”, “Adaptações e dificuldades financeiras em outro país” e “Fortalecimento de laços sociais”.
Baseado também na série de reportagem foi realizado um documentário sobre a mesma temática intitulado “Histórias de resistência: um novo lugar para chamar de casa”.
Com a produção de Karen Benício e Matheus Metzker, cinegrafia de Acácio Rezende, Isabella Arruda e Mylena Valim e direção e edição de Sabrina Heilbuth, o documentário contempla quatro histórias. São especificamente dos imigrantes: Brayan Oliveros, Billih Bantu Soluelo, Jessica Clements e Mauro Bini. Confira e tenha um conteúdo ainda mais completo dessa série de reportagem.
Xenofobia
Toda essa aversão ao diferente se concretiza, muitas vezes, naquelas pessoas que são de fora do país, ou seja, os imigrantes ou refugiados, mas não os de qualquer nacionalidade. Isso porque há seletividade. É o que mostrou uma comparação feita pela Secretaria Especial de Direitos Humanos do governo federal por meio do Disque 100. De 2014 a 2015 foi registrado um aumento de 633% do número de denúncias por xenofobia – violação dos direitos de estrangeiros – no Brasil, sobretudo contra haitianos.
Com os imigrantes haitianos sendo os mais afetados no processo de xenofobia, a pesquisa comprova que o maior preconceito acontece contra a população negra. O que agrava ainda mais o crime cometido, já que perante a constituição e a Lei 9.459 serão punidos pela legislação os atos resultantes do “preconceito ou discriminação de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional”, ou seja, a aversão aos haitianos constatada pelos dados do Disque 100 pode, por vezes, ser avaliada nos âmbitos de raça e nacionalidade. Um preconceito ampliado.
A socióloga Márcia Correia, 46 anos, explica que um imigrante, geralmente, sabe o que esperar do país que é o destino para uma nova vida, mas a vivência na prática demonstra facetas que não eram tão esclarecidas. “Quando imigrantes decidem vir para o Brasil, geralmente fazem uma pesquisa prévia sobre identificação, elementos culturais, linguagem e comportamentos. Embora você busque saber sobre outras culturas, o momento de vivenciar a realidade do outro gera um choque cultural inevitável”, esclarece a sociólogo.
A socióloga explica ainda que os imigrantes europeus são recebidos de forma mais tranquila e pacífica que os imigrantes da África, continente que há um estranhamento ainda maior no Brasil, caso sejam refugiados. Márcia fornece uma reflexão e um panorama futuro para a xenofobia no País.
Já para a psicóloga Silvia Borges, 40, o julgamento, a desconfiança e a competição são fatores que precisam ser evitados no dia a dia e no tratamento social para com os imigrantes. Ela acredita que essas maneiras de agir com o estrangeiro podem ser motivadas pelo egoísmo e pela ignorância do brasileiro. “A dificuldade econômica e a instabilidade financeira que o povo brasileiro vive faz com que o imigrante seja visto como alguém que veio competir pela chance de emprego, no atendimento médico na unidade de saúde, na vaga de escola, ou seja, tornar mais difícil o que já está. Outra questão é há falta de informação”, relata a psicóloga.
Para que haja mudanças, Silvia evidencia que algumas ações podem ajudar no processo de adaptação e de acolhimento de um imigrante.

O apoio do governo que está recebendo essa população, oferecendo a eles saúde, educação, redirecionamento para o mercado de trabalho e abertura da diversidade cultural são fundamentais. É extremamente importante também um apoio psicológico, independente do motivo da imigração
Silvia Borges
Vivendo na pele
Há 11 anos uma mudança veio trazer novos rumos para o angolano Billih Manuel Soluelo de 36 anos. O professor de Arte e Línguas, que também é conhecido com o nome artístico Billih Bantu, na época, com muita coragem, largou toda a comodidade, a família e um círculo de amizades para estudar fora do país de origem. Apesar de não ter sido intencional, o destino o trouxe o Brasil, mais precisamente para o Estado do Espírito Santo. “Acredito que foi sorte da minha parte, pois agregou várias coisas boas”, diz.
No ano da chegada, em 2008, começou por meio de uma bolsa de estudos: cursar Artes Visuais na Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes). O angolano explica que todo o processo, ao longo do tempo, foi facilitado, pois o português é a língua oficial de Angola. Contudo nem tudo na vida de Billih nas terras brasileiras foi uma adaptação simples.

Um dos percalços vivenciados foi em relação a cultura: a grande diferença comportamental da população daqui comparada de onde veio.
Cresci em uma cultura reservada. Temos um pouco de conservadorismo e da formalidade na questão de ser vestir e de como falar. Vejo que os brasileiros são mais democráticos nessas questões e na forma de abordar as pessoas. Foi um pouco difícil me adaptar a isso
Billih Manuel Soluelo
Já no quesito acolhimento, Billih conta que isso é um dos pontos fortes do País. Mesmo assim, o professor carrega um olhar de estranhamento por outros detalhes da cultura brasileira. “O Brasil sabe receber as pessoas, mas vivendo aqui você acaba percebendo outras questões sociais, desde políticas até raciais. Você acaba percebendo desigualdades, preconceito e direitos violados. Há grupos com oportunidades e prioridades. E outros grupos com nenhum desses dois quesitos”, relata.
Exemplos é o que não falta no dia a dia do angolano no Estado para exemplificar essa visão. Billih, nessa mais de uma década no Espírito Santo, sentiu na pele o preconceito, a xenofobia e o puro olhar de questionamento de algumas pessoas. Seja na negação de uma mulher para com ele e dois amigos africanos de uma casa disponível para alugar; seja andando de ônibus e vendo as pessoas desviarem e sentarem sempre com outras pessoas ou saindo do próprio carro e recebendo visões deturpantes se aquele bem é realmente dele ou não.
A arma resolutiva para Billih Soluelo é a educação, já que ninguém nasce racista ou odiando as pessoas. Dessa forma, o professor faz questão de colocar ensinamentos valiosos na prática com os alunos da escola de Ensino Fundamental em que leciona. E isso a partir do conceito de Ubuntu, palavra africana que tem a proposta de transmitir valores de uns aos outros. “Não fico focado no conceito e nas especificidades Arte ou linguística. Trabalho também a humanidade. Ensino para os meus alunos o Ubuntu, que é ligado ao respeito, à empatia, à união, à solidariedade, à harmonia e de se colocar no lugar do outro”, argumenta.
Com toda essa resistência, o angolano, que aprendeu a gostar de arroz e feijão todos os dias, é poliglota e bem-querido pelos alunos, colegas e amigos brasileiros, teve vontade, traçou objetivos e foi resiliente ao adentrar e a enfrentar as dificuldades no Brasil. Amante de todas as formas de arte e tendo como a maior fonte de inspiração as pessoas, Billih sabe que um dia o retorno para a Angola é certo, mas o amor pelo País e a filha que aqui teve são questões que para sempre ficarão marcadas na vida.
Casa tem um grande significado. É como se fosse o coração da gente. Um lugar também espiritual de conexões e reconexões criadas entre você e essa casa. É nessa perspectiva que adotei o Brasil respeitosamente como meu segundo país e minha segunda casa
Billih Manuel Soluelo

Ajuda abençoada
A esperança sempre existe. E algumas pessoas são a prova de que a mentalidade ultrapassada e preconceituosa pode se findar. Isso porque há pessoas que prezam sempre por um objetivo maior: de ajudar o próximo, sem diferenciar por nacionalidade, credo, sexo, cor ou raça. Além disso, um fator fundamental é o guia delas: nas dificuldades que um ser humano passa, a máxima é encontrar possibilidades de melhorias, ao invés de apontar julgamentos. A freira Deonilda Vigulo, 72, consegue há cinco décadas cumprir com essa missão.

A Irmã Deonilda sonhava quando criança em ajudar pessoas carentes. E o desejo foi realizado com êxito. Atuando, juntamente com um grupo de freiras, em um projeto da Igreja Católica no Espírito Santo, intitulado Pastoral do Migrante, ela acolhe, recebe e oferece auxílio, como alimentação, moradia ou emprego para migrantes, imigrantes ou refugiados que chegam ao Estado sem planejamento e sem condições de sobrevivência.
A satisfação maior de Deonilda se dá em ser multiplicadora de belas ações e em transpassar o máximo de boas vibrações.
Acredito que a maior lição é de ajudá-los no sofrimento que eles passam em todos aspectos. Muitos chegam sem nada. Há uma discriminação muito grande e vejo que ficam chateados com essa indiferença. Por isso, eu sinto uma alegria muito grande em ter a oportunidade de fazer algo por eles
Deonilda Virgulo
“IMIGRANTES NO ES”
FOTOGRAFIA DE DESTAQUE
Márvila Araújo / Arquivo Pessoal de Billih Manuel Soluelo
FOTOGRAFIA DA ARTE
Zanete Dadalto
EDIÇÃO DE ARTE E FOTOGRAFIA
Luisa Nassur / LACOS
CONTEÚDO AUDIOVISUAL
Acácio Rezende
Isabella Arruda
Mylena Valim
EDIÇÃO DE VÍDEO
Sabrina Heilbuth
ORIENTAÇÃO
Valmir Matiazzi
FINALIZAÇÃO
Matheus Metzker
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