Marcelo Ribeiro
Da cozinha vem correndo a menina, coberta dos pés à cabeça de uma mistura de sabão, bicarbonato e limão, esbaforida, com brilho nos olhos ansiosa para dar a notícia à sua patroa que estava na sala de estar folheando uma revista de moda europeia, numa típica tarde de quarta-feira:
– Dona Sônia! Dona Sônia! A senhora não vai acreditar no que eu acabei de ouvir no rádio! Criaram um produto milagroso que limpa tudo que a senhora imaginar, facinho!
– Eu vi no aparelho televisor ontem pouco antes da estreia do Jornal Nacional. É apenas mais uma tentativa de arrancar nosso dinheiro com promessas milagrosas. Não acredite em tudo que ouve, criança. Agora, deixe de moleza e saia daqui, pois você está fedendo!
Cabisbaixa, a jovem retorna para os afazeres domésticos utilizando as receitas caseiras que a mãe lhe ensinara para fazer a limpeza diária na casa dos Albuquerque de Alcântara. Afinal, não poderia se dar ao luxo de perder o emprego que a comadre da sua mãe conseguiu para que Cidinha pudesse ajudar a sustentar os cinco irmãos mais novos.
Os anos se passaram e Cida, agora mulher adulta com os próprios filhos para criar, teve seu trabalho facilitado, diriam os otimistas. Graças ao poder da publicidade, Dona Sônia foi convencida de que VEJA Multiuso era realmente eficiente, além de que agora, junto da limpeza completa, poderia deixar a casa perfumada com sua primeira fragrância, Versão Campestre, lembrando-a dos invernos que passava com a família na casa de campo na Áustria.

As décadas foram passando e Cida continuava ali, naquela cozinha que conhecia inteira como a palma da mão. Com a palma de sua mão, também. Desde os seus 15 anos, passava os dias acompanhada de amigos inseparáveis como o radinho de pilha, o lenço e o amigo que, após anos se convidando para entrar na casa, caiu nas graças de Dona Sônia e chegou para ficar.

Chegou o aniversário de 40 anos do seu amigo. A partir dali muitos notaram que ele estava mudando a forma de se comportar, tentando se inserir no mundo globalizado e digital, posicionando-se de maneira jovem e moderna. Havia cansado de se dizer apenas mais rápido e eficiente em relação aos outros. Todos começaram a vê-lo aparecer em comerciais cheios de referências pop para atrair novos amigos, diferentes da Cida.
Em 2017, o amigo da Cida se tornou Gold. Diferente dela que, depois de tantos anos naquela enorme casa, teve seu brilho apagado. Talvez se desgastou ao longo do tempo ou talvez o ouro foi explorado de forma desordenada e irresponsável.
A VEJA se adaptou com sucesso ao longo dos períodos históricos de sua existência, utilizando estratégias publicitárias para seduzir o público. Desde a propaganda comparativa, muito comum no século passado, até os atuais comerciais cheios de ilusionismo, a marca conseguiu conquistar seu lugar de destaque no segmento de limpadores.
O tempo passou, a pandemia chegou. Cida foi brilhar no céu. E Dona Sônia, continua na sala de estar vendo as novidades da moda.

Esse texto faz parte de uma série de produções opinativas sobre Publicidade e Criatividade feitas por estudantes de Publicidade e Propaganda da FAESA Centro Universitário. As produções tiveram a orientação do professor Victor Mazzei.
Edição: Isabela Wilvock
Imagem de Destaque: Gabi Palmejani e Vitória Gava / Núcleo de Publicidade