Gabriela Jucá
Às vésperas do feriado da independência, encontrei Thiago para que ele me compartilhasse os causos da vida. Por conta da pandemia que paira sobre as nossas cabeças, demos preferência a um ambiente ao ar livre. Então, mascarados, decidimos nos integrar, mesmo que distantes, ao caldeirão sonoro de um parque em fim de tarde.
Quem acredita que esse garoto de 21 anos não tem muita história por conta da pouca idade, está muitíssimo equivocado. Thiago Soares Damasceno, mais conhecido como Thiaguera pelos mais chegados, carrega consigo o peito aberto, a sede de independência e o olhar afiado de quem quer se jogar em um mundo melhor, mais justo e igualitário. Ele, estudante de Jornalismo na FAESA Centro Universitário, jovem preto e periférico, que sempre tem as respostas na ponta da língua, é o retrato perfeito da geração anti-stablishment, anti-caretice, anti-racismo, anti-homofobia, e outras “cosas más”.

É importante deixar claro os direcionamentos dessa história. É a narrativa de um jovem cheio de sonhos e ambições. Sim, ele é negro, já passou por épocas em que só tinha dinheiro para comer e, sim, já vivenciou uma série de episódios de racismo.
Não é o objetivo maior pôr luz sobre toda a violência racial que o acompanha desde muito jovem. Jovens pretos morrem todos os dias no Brasil e, para ele, estar são, salvo e forte já é um ato de resistência. Thiago já é bombardeado por um sistema que o exclui diariamente. Aqui, quero que seja uma oportunidade de revelar as outras facetas e potências desse garoto, que impõe gritos de resistência pelas ruas e por todos os cantos da cidade.
Nascido e criado no bairro de André Carloni, na Serra, descreve-se, aos risos, como um menino da vovó. Quando veio ao mundo, em maio de 1999, Thiago não foi um filho planejado pelos pais, logo, os avós maternos, Dona Maria e Seu Bernardino, acataram todos os compromissos financeiros e afetivos. À época, os pais passavam por dificuldades financeiras.
Curioso, criativo e questionador, muito da criança que Thiago foi ainda pulsa, hoje, na juventude. Aos 4 anos, ganhou um celular tipo “tijolão”. Ele poderia jogar o jogo da cobrinha ou ligar para os amigos da escola. Nada disso: a brincadeira favorita era brincar que ligava para o então presidente Lula para conversar e trocar altas ideias. A cabeça do menino, que gostava de subir no altarzinho da vó para treinar discursos, já era tomada pelo elemento que iria conduzir o resto de sua vida: a política.
Extremamente apegado aos avós, o menino de cabelos crespos e sorriso largo diz que teve a adolescência “abortada”. Aos 12 anos, deixou para trás os tempos de criança ao assumir os cuidados de tio Waldeli, que estava muito doente.
Com todo o esmero e cuidado, fazia a comida, aplicava medicamentos e ajudava no que era preciso. Infelizmente, o tio veio a óbito e, pouco mais de 1 ano depois, Seu Bernardino, o avô, que tinha como ídolo, entrou num grave quadro de Alzheimer e logo sucumbiu.
Desde então, os caminhos foram se tornando cada vez mais sinuosos.
Andar com fé
Acima de qualquer coisa, Thiaguera é um menino de fé. Tem fé nas pessoas, fé para mudar as coisas e teve fé para querer seguir carreira no seminário. Depois que o avô faleceu, levava a avó todas as segundas-feiras à igreja para rezar o terço. Geralmente, esperava Dona Maria terminar a reza. Até que começou a participar.
Como em tudo na vida, Thiago mergulhou de cabeça na vida católica. Fez o catecumenato na adolescência: o batismo, a eucaristia e a crisma. O plano era terminar o ensino médio e ser padre. Crítico, hoje cultiva a fé para além do catolicismo: Thiago também costuma visitar terreiros de Umbanda.

Aos 15 anos, decidiu cursar o ensino médio e o curso técnico de Agropecuária no Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes) de Santa Teresa. Mantinha-se por auxílio e logo entrou para a diretoria do Grêmio Estudantil. Os hormônios da adolescência estavam à flor da pele e não deu outra: começou a desfrutar da sensação de liberdade. Ele, que detesta ficar sozinho e gosta de estar rodeado de gente, começou a fazer o uso de álcool e tabaco, ao qual ele atribui como “muito precoce’.
Findada a adolescência, hora de navegar por mares mais agitados.
Destino: Liberdade
Depois das aventuras dionisíacas, foi natural que Thiago resolvesse abandonar a vontade de ser padre. Formou-se no ensino médio, mas não no curso técnico em Agropecuária. “Perseguição política foi um dos motivos”, diz ele, carrancudo. Preferiu dar lugar a outros sonhos movidos pela participação política.
Em 2018, já com 19 anos, foi a um Encontro do Circuito de Cultura e Arte (CUCA), em São Paulo, cujo tema era Jornalismo Alternativo. Lá, decidiu que seguiria a carreira de jornalista.
Ele está sempre envolvido em muitas coisas. Hoje, é estudante de jornalismo, filiado ao PCdoB, estagiário na Câmara Municipal de Vitória (CMV) e articulador de inúmeros projetos e coletivos ligados à política, à cultura, aos direitos humanos e à agroecologia. Mantém-se grato e sonhador por acreditar em um futuro melhor e mais sustentável para todos.
Inquieto, gosta de estar ativo e de pensar no coletivo. Se envolver uma roda de samba, amigos e cerveja gelada, melhor ainda. Quem o conhece até duvida que esse rapaz já passou por uma depressão profunda. “Sigo na cura”, enfatiza.
Agora, Thiago está com pressa. Está animado para assumir o volante pela primeira vez, rumo a Caravelas, cidade natal da mãe, que irá acompanhá-lo na estrada. Indico um disco novo que achei a cara dele, o “Orquestra Frevo do Mundo”. Nos despedimos e torço para aquela trilha sonora embalar a viagem.
Foto do Destaque: Gabriela Juca
Edição: Isabela Wilvock
História maravilhosa! Parabéns por cada progresso de sua vida, Thiago! Você é uma pessoa sensacional e a sua dedicação no que faz é notável! Seu futuro é brilhante.
Gabi Jucá, você é maravilhosa! Parabéns por toda a sensibilidade ao escrever o texto.
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