A crônica da aluna do 6º período do curso de Publicidade e Propaganda da FAESA Centro Universitário Amanda Castello para a ONG “Fundação Beneficente Praia do Canto” foi vencedora na categoria Crônica na 10ª edição da Ecos Mostra, evento da Ecos Jr, que é a empresa de Comunicação Social da Universidade Federal do Espírito Santo (UFES).
Em 2020, o evento, que ocorreu de forma virtual no dia 26 de novembro, trouxe para discussão o voluntariado, com o tema: O individual impacta no coletivo, modifica o meio e transforma o fim.
Confira abaixo a crônica vencedora
A colmeia
Amanda Castello
Gosto de acreditar que os sonhos alimentam a alma e oxigenam a existência. O sujeito que sonha é aquele que paira num universo distante e fantasioso. O sonhador se refugia nessas projeções, tomando-as como um poderoso combustível. O ato de sonhar, não precisa ser egoísta, como uma xícara de café expresso curto que se aprecia sozinho numa manhã. Podemos sonhar com o outro, assim como uma sobremesa que se compartilha com mais pessoas e conforta o coração.
Essas eram as minhas reflexões numa tarde de domingo no parque da cidade, que estava iluminado pelo sol como nunca antes. Os raios irrompiam as copas verdes das árvores e os feixes de luz davam vida ao lugar junto com a ação da brisa, que soprava meus cabelos. Flores de todas as cores, pássaros e insetos de diferentes espécies preenchiam o espaço.
Os insetos, em especial, sempre me chamaram a atenção. Pequenos e organizados, eles ensinam aos nossos olhos, quando atentos, sobre a coletividade e como ajudar o próximo. Foi quando observava alguns pássaros tentando bicar algumas pipocas caídas ao pé do banco que algo atraiu o meu olhar: um serzinho com antenas, dois pares de asas e listras pretas e amarelas que se alternavam dando cor para aquele pequeno corpo.
Era uma abelha; meus olhos passaram a fazer o mesmo trajeto que aquela criatura percorria. Com um zunido forte, ela batia suas asinhas para chegar até as margaridas, as orquídeas e as bromélias. Ela parava sob os miolos das plantas com zelo e calmaria, diferente do seu voo, usualmente acelerado. Ao grudar em seu corpo uma fração de pólen e armazenar um pouco de néctar, ela parecia criar um vínculo singular com cada flor em sua jornada.
Para aquela abelha nada era tão importante quanto as flores, cada uma possuía particularidades: os tons podiam ser mais vivos ou pálidos e as pétalas assumiam uma variedade de formas e de comprimentos. Todas elas eram especiais à sua maneira e davam sentido ao dia a dia daquela criatura, que se dedicava em cada pouso a rever uma das bromélias, das margaridas ou das orquídeas dispostas naquele parque.
Essa era uma relação recíproca. Para as flores nada era tão importante como aquela abelha. Com suas raízes e caules fixos no chão elas não podiam se mover e sair em busca de insetos ou transportarem o seu próprio pólen para se multiplicarem naquele parque, dando continuidade ao arco-íris formado por inúmeros aromas.
No trajeto, a abelha demonstrava destreza. Mesmo pequena, ela parecia ser autossuficiente e pairar sob milhares de flores em um só dia de trabalho. No entanto, ao mover meu rosto para os arbustos verdes do outro lado do parque tive uma surpresa: diversos potinhos pretos se moviam rapidamente entre as entre pétalas azuis, roxas, vermelhas, rosas, brancas e amarelas. Era preciso uma colônia de abelhas para percorrer toda a imensidão de cores da primavera e completar aquele esforço minucioso.
Aqueles seres pequenos tomavam conta de todo o local e eu notei que alguns, numa espécie de pausa em sua jornada, se reuniam em um tronco de árvore vazado ao meio. Com cautela, me aproximei e observei aquele universo particular: o tronco, que para muitos pode ser apenas um pedaço centenário de madeira, era para aquelas abelhas um lar. Ali, o trabalho, aparentemente individual, dava sentido ao coletivo.
Nenhuma ação era isolada, mas parte de uma divisão de tarefas para naquele conglomerado. Cada abelha polinizava e coletava néctar, armazenando o alimento para mais tarde. Naquele reduto, todas compartilhavam o doce líquido extraído das flores, passando este de abelha a abelha para que cada uma se alimentasse e, por fim, produzissem o mel. Toda a comunidade dependia daquele processo, sobretudo, as abelhas mais novas que ainda não tinham potência para voar tão longe e coletar tanto pólen ou néctar quanto as mais velhas.
Em conjunto, aquelas abelhas trabalhavam de forma coordenada, harmônica e sinfônica. Os zunidos emitidos compuseram uma melodia ritmada e complexa. Assim, a orquestra daqueles pequenos seres transformou a minha despretensiosa visita ao parque em um momento singular. Alternava o meu olhar entre os corpinhos que exibiam suas listras, enquanto refletia sobre como aqueles seres tão pequenos eram capazes, juntos, de coisas inimagináveis a partir da sua força de trabalho.
Aquelas abelhas, com o seu esforço ágil, tinham o papel de manter um ecossistema equilibrado. Voluntariamente, regidas apenas pelas leis da natureza e auxiliadas pela líder do clã, permitiam que as suas vidas, as de abelhas mais novas e até mesmo de outros seres estivesse em conformidade.
Ao fim do dia, aqueles insetos podiam olhar com satisfação os grãos de pólen que foram esquematicamente espalhados por todo o parque, e notar o equilíbrio daquele lugar. Com a reserva de mel cheia e todas ali alimentadas, as abelhas podiam descansar e imaginar os abraços que dariam nas pétalas coloridas no dia seguinte. Assim como o sonhador pensa alto na busca de atingir o inalcançável, os serezinhos listrados utilizam o idealismo como combustível para alcançarem voos até então impossíveis e, dessa forma, deixam sua marca de colaboração e voluntariado no ambiente ao seu redor.
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