Gabriela Jucá
Quando Pero Vaz de Caminha descobriu que as terras brasileiras eram férteis, escreveu uma carta ao rei e disse: tudo que nela se planta, tudo cresce e floresce. Passados mais de 500 anos da chegada dos portugueses em terras tupiniquins, a cultura alimentar do brasileiro comum resiste na mandioca, no milho, no trigo, no arroz e no feijão. No entanto, o país de terras abundantes, hoje, enfrenta questões de desabastecimento interno de alimentos e o uso desenfreado de agrotóxicos no manejo das plantações, como aponta levantamento realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).
Além do risco da falta de produtos para consumo interno, a situação também tem como consequência a inflação no preço dos alimentos. Uma alternativa para garantir os índices de segurança alimentar no País e proporcionar alimento saudável livre de venenos para a população, é a prática da agroecologia. Para muito além do conceito de “plantar da agricultura”, a agroecologia incorpora questões sociais, políticas, culturais, energéticas, ambientais e éticas. Ou seja, o manejo agroecológico atua em contraposição à monocultura, emprego de transgênicos, fertilizantes e agrotóxicos.

O professor, engenheiro agrônomo e doutor em entomologia, área de manejo de insetos, Lusinério Prezotti , explica que o modelo vigente do agronegócio, baseado na monocultura e na concentração de terras nas mãos de grandes latifundiários, é insustentável para atingir os índices desejados de Segurança Alimentar que, hoje, encontra-se abaixo dos 20% necessários ao País. Com a alta do dólar, o modelo agrícola de produção do milho, por exemplo, é voltado ao aspecto de commoditie, classificando-se como mais um produto tipo exportação do Brasil.
Com os preços lá em cima, quem tem fome e vulnerabilidade não consegue pagar o valor praticado internamente. Na perspectiva agroecológica, o caminho para a sustentabilidade é devolver a terra às pessoas, de maneira a firmar a importância de práticas sustentáveis, minimamente invasivas e em respeito à natureza.
“Uma das formas de garantir a alimentação do povo é fortalecer os subsídios e apoios para agricultores familiares para que fique mais barato produzir e mais acessível para o resto da população”
Professor Lusinério Prezotti
Estar em conformidade com metodologias agroecológicas é estar alinhado ao resgate de saberes ancestrais e ao manejo de práticas sustentáveis para todo o ecossistema. É o que faz o técnico em agropecuária Humberto Vieira Lucas Junior. Ele estuda, atua e articula a construção de movimentos agroecológicos no Espírito Santo e Rio de Janeiro. Humberto é guardião de sementes crioulas, sementes tradicionais produzidas por agricultores familiares, camponeses, quilombolas, povos indígenas e assentados. O uso e manejo de sementes crioulas protegem o meio ambiente, promovem a diversidade no prato e mantém viva a cultura dos povos originários.
Para que as sementes germinem e prosperem, o solo precisa estar bem. Se o solo está bem, as plantas estão bem. Foi a partir dessa ideia, alarmada pela quantidade de resíduos que produzia em casa, que a geógrafa e técnica em meio ambiente Alice Cerutti decidiu produzir adubo orgânico, fundamental para um manejo saudável. Hoje, ela produz cerca de 50kg de adubo por mês e divulga o trabalho nas redes sociais. “Vejo como uma oportunidade para mais pessoas terem interesse no assunto”, destaca a geógrafa.
“Quando observamos a natureza e colocamos os saberes em prática, temos alimentos saudáveis para a natureza e saudáveis para nós”
Alice Cerutti
Agroecologia é vida
Muito além de plantar e consumir um alimento sem veneno, a agroecologia é um estilo de vida. Já que os seres humanos precisam de alimento diariamente, de onde vem esse alimento? Por que as pessoas comem o que comem? Esses questionamentos norteiam essa ciência integradora de saberes como uma forma de repensar as relações do homem com o ecossistema que o rodeia, não somente em uma perspectiva ambiental, como, também, em um panorama social, político e cultural.

Larissa Loyola e Lucas Sangi são geógrafos e articuladores de movimentos agroecológicos no Espírito Santo. Eles vivem em uma casa em que chamam de “laboratório”, pois é onde põem em prática todos os conhecimentos de manejo agroecológico.
O laboratório do casal consiste em um grande quintal onde cuidam do plantio de frutas, hortaliças e ervas medicinais. A adoção desse estilo de vida surgiu para repensar novas formas de organização enquanto cidadãos na produção e na manutenção da cidade. “A gente vê muito concreto e nos esquecemos da sombra, do verde e do potencial alimentício da cidade”, salienta o geógrafo Lucas Sangi.
O professor e engenheiro agrônomo Lusinério Prezotti pontua os supermercados como grande centralizadores do processo urbano e instantâneo no que tange o consumo de alimentos. As cidades, ao desassociarem a comida do “comer”, estão restritas ao ato de comprar e consumir. Ao adquirir somente produtos no supermercado, há um distanciamento da realidade de quem produz e cuida do alimento nosso de cada dia.
A agroecologia não é apenas uma forma de agricultura sustentável, mas um modo de vida
Larissa Loyola
A geógrafa Larissa Loyola adquiriu os conhecimentos da agroecologia por meio de pesquisas acadêmicas e vivências em assentamentos. Ela não só costuma plantar a couve e o tomate que come todos os dias, como, também, pensa na relação ecológica de outros produtos com a natureza. Para ela, é primordial entender para onde circula o dinheiro, não só em relação ao alimento, como, também, roupas, cosméticos, artigos de limpeza, calçados, que, nos processos de produção, também precisam estar em conformidade com práticas que respeitem o meio ambiente. “O pensamento agroecológico vai além de uma plantação. É uma filosofia de vida”, enfatiza a geógrafa.
Edição: Gabriela Jucá
Foto do Destaque: Arquivo Pessoal/Larissa Loyola