Fernanda Gonçalves Sant’Anna
O número das pessoas em condição de rua cresce constantemente e está presente em muitas cidades do Brasil e do mundo. Esses indivíduos vivem à margem da sociedade e sofrem por conta do descaso e da falta de acesso aos direitos fundamentais. A população de rua costuma se concentrar em grandes centros urbanos como Rio de Janeiro e São Paulo, mas tem se tornado cada vez mais habitual se deparar com pessoas em situação de rua em pequenas cidades, como Marataízes, localizada no litoral sul do Espírito Santo.
Marataízes possui aproximadamente 35 mil habitantes e, por ser um município de pequeno porte, conta apenas com um Centro de Referência de Assistência Social (Creas), que é responsável por todo o serviço social da cidade, inclusive o auxílio da população de rua.

A assistente social e diretora do Creas de Marataízes, Rosinez Lima, afirma que a equipe especializada faz abordagens à população de rua da cidade, oferecendo a oportunidade de: retirada de documentos, busca pela família, acesso a serviços de saúde como internação em clínicas para recuperação química, odontologia e tratamento psicológico. É possível, também, a inserção em outros benefícios públicos como o aluguel social.
Alguns benefícios são concedidos apenas aos que estão sendo acompanhados pelo Creas durante o período de um ano. Para esses que buscam ajuda e estão no processo de mudança é distribuído almoço, jantar e a possibilidade do banho e lavagem das roupas. Uma das justificativas do órgão para não ajudar a todos nessa condição é que se não houver mudança, não é assistência social, mas assistencialismo. “O problema é que a maioria deles não deseja sair das ruas”, afirma Rosinez.
A professora de sociologia Glícia Fornazier explica que grande parte da sociedade repele ou tornam pessoas em situações de rua invisíveis, como um corpo estranho da sociedade. Na visão sociológica esses indivíduos não são “coitadinhos”, pois a maioria optou por estar ali, uma vez que foram absorvidos pelos sentimentos de liberdade e independência. O que não exclui a necessidade de receberem ajuda e o auxílio do que precisarem.
De acordo com nota divulgada pelo Centro Educacional Novas Abordagens Terapêuticas (CENAT), esses cidadãos não vivem nas ruas por opção, mas pela falta dela. No período em que vivem em vias públicas é possível desencadear alguns fatores de vulnerabilidade psicológica, como uso abusivo de entorpecentes, a violência, ausência de esperança, solidão e insegurança. Esses elementos impactam e geram uma grande probabilidade de desenvolverem transtornos mentais como a ansiedade, depressão e também a própria exclusão da sociedade, o que dificulta o processo de superação e o abandono das ruas.
Vivendo nas ruas
Um dos casos mais conhecidos pelos habitantes de Marataízes é o da senhora com nome fictício, Renatinha. A mulher sofre há anos com a dependência química e apesar de ter uma casa e família na cidade opta por viver nas ruas. Rosinez relata que muitas vezes não são apenas problemas com drogas que impedem o retorno para casa, mas a fragilidade das relações familiares, o que é o caso de Renatinha. A última tentativa de retirada das ruas e recuperação da sobriedade ocorreu quando ela foi atropelada, sendo abrigada pelo Centro de Acolhimento Mãos Estendidas (Ceame), uma instituição religiosa que trabalha em parceria com o Creas. Contudo, assim que se recuperou um pouco, ela fugiu do Centro de Acolhimento.
Do outro lado da cidade sobrevivendo à outra realidade, existe o senhor Arthur, nome fictício. Sem vícios em álcool ou drogas, trabalha como catador de material reciclável para vender e se sustentar. Ele improvisou uma cabana que o protege do tempo e mantém-se em um ponto fixo do município. Em breve, preencherá os requisitos necessários, que é ter um ano habitando as ruas da cidade, para receber os benefícios públicos como o aluguel social.
Por Marataízes ser uma cidade turística, o município recebe cada vez mais pessoas em busca de emprego. Como seu Carlos, nome fictício, que veio da Bahia no último verão, para tentar trabalhar como pintor. Ele chegou à cidade somente com documentos e dinheiro escasso. Sem alcançar o objetivo, está vivendo nas ruas. Outras pessoas que chegaram à cidade, mas não se encaixam nos requisitos para serem atendidos pelo Creas, recebem ajuda de instituições privadas, principalmente as religiosas, que apresentam um movimento bem forte na cidade.
Fé e Caridade
Pequenas cidades como Marataízes não possuem suporte para gerir centros de acolhimentos ou atendimento de toda a população de rua que se encontra na cidade. O Creas conta com a cooperação de instituições religiosas que possuem projetos para amparar e apoiar a população em situação de rua.

O principal e mais antigo parceiro do Creas da cidade é o Centro de Acolhimento Mãos Estendidas (Ceame), fundado pela Pastora Eline Silva há 16 anos. O Ceame é uma instituição com as raízes fincadas na igreja evangélica e teve início com um grande anseio de ressignificar vidas, tirá-las das ruas e criando novos horizontes. A pastora acredita que doar alimentos e roupas é contribuir para que continuem nas ruas, é preciso ir mais além. A partir deste pensamento, o Centro de Acolhimento foi tomando forma e hoje abriga cerca de 20 pessoas que foram resgatadas das ruas de Marataízes.
Outra proposta desenvolvida na cidade é o Projeto Rua, que apesar de ser movido pelo sentimento de caridade, não está vinculado a nenhuma instituição religiosa, mas a princípios cristãos. Um grupo de amigos espíritas se reúne duas vezes por semana para preparar e distribuir quentinhas. A coordenadora e idealizadora do projeto, Shirlei Gonçalves, explica que independente dos motivos que mantém as pessoas nas ruas, a ajuda é sempre necessária, já que todos sentem fome.

A professora de sociologia Glícia Fornazier explica que o diálogo ecumênico ocorre com grande frequência no século atual, acompanhado pelo Processo de Globalização. A sociologia, portanto, sempre viu com bons olhos esses avanços. Independente das crenças e vieses religiosos, todos estão unidos em prol do próximo.
Edição: Fernanda Gonçalves Sant’Anna
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